4.11.05

Sobre Cesariny

Prémio Vida Literária para Cesariny: "Toda a vida fiz infracções" (cont.):

""Mário Cesariny é, na singularidade extrema da sua estética, um poeta raro. Celebrá-lo, por tudo quanto doou à nossa comunidade de leitores através de gerações, assume, assim, a plenitude de uma homenagem livre e devida", considera o júri, a direcção da APE, em comunicado. A decisão, unânime, salienta o "fulgor de um percurso artístico que, também na literatura, encontrou a expressão mais alta".

Tal como antes recebera o Grande Prémio EDP de Artes Plásticas/consagração - biénio 2002-04, com inerente retrospectiva integral, há um ano, no Museu da Cidade -, o poeta de Pena Capital e Titânia ou A Cidade Queimada aceita a(s) distinção(ões), embora "em infracção", argumentando "Porque, para mim, este é um prémio da democracia, enquanto com a ditadura me dei muito mal". Recorde-se que, sob o fascismo salazarista, o também estudioso e organizador editorial da memória e história do surrealismo português sofreu perseguição policial sistemática, devida à sua homossexualidade, a ponto de exilar-se em Londres.

Daí que, tanto quanto em reacção ao EDP de consagração, reconheça "Estou contente, sim. E têm a gentileza de vir trazer-me o prémio a casa, porque já me custa a andar." No seu peculiar estilo jocoso, a propósito da bicicleta para exercício domiciliário, remata o poeta: "olho para ela e começo-me a rir, mas a pedalar ainda não comecei." Nunca os "grilos da paróquia" venceram o humor natural deste sobrevivente, para nos remetermos ao poema de O'Neill (ver texto reproduzido em baixo).

O presidente da APE, José Manuel Mendes, e o representante da CGD, patrocinadora do prémio, acompanhados pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, não entregarão o Vida Literária na Culturgest, como sucede normalmente, mas, sim, na residência de Mário Cesariny, em Lisboa, como já acontecera no caso de José Cardoso Pires, hospitalizado à época, tendo o prémio sido levado à sua esposa, na residência. José Manuel Nunes lembra ao DN esse "único precedente", adiantando que, nessas circunstâncias e por razões óbvias, "o acto em si não será aberto à Comunicação Social, embora certamente seja pensada uma forma de os jornalistas se encontrarem nas imediações" da casa, a Sete Rios, no dia 30.

O presidente da APE e também poeta faz questão de declarar-nos "Na associação reside a ideia de que, sendo Mário Cesariny quem é, havia um débito das instituições literárias em relação a ele. Em parte por ser um homem discreto, tem sido pouco considerado para decisões deste tipo e nós tínhamos de liquidar esse débito perante o esplendor da sua obra poética."

A coroar reconhecimentos, espera-se que o ICAM deixe de chumbar o projecto do filme A Norma de Bellini, de Manuel Gonçalves Mendes, realizador do premiado Autografia


Poesia na 'reabilitação do real' (cont.):

"Citámos o maior especialista ibérico em surrealismo, Perfecto E. Cuadrado, falando ao DN pelo telefone, de Madrid. Acentuou ainda "Não falo como académico mas como homem comovido, porque é um prémio mais do que merecido". Ouvimos também o pintor João Vieira e o escritor Helder Macedo, sobreviventes do Grupo do Café Gelo (com Herberto Helder), a tertúlia lisboeta que Cesariny frequentou.

João Vieira recorda-nos "uma longa história com Mário Cesariny" depois daquele tempo, conviveram em Paris e Londres. "Foi extremamente importante na poesia da época [anos 40-60] e, se não escreve há muito tempo porque, diz, a Musa pôs-lhe os cornos, isto mesmo tem a ver com a sua utilização da linguagem. Nós, no Gelo, apreciávamos a reviravolta, na maneira de pensar e de utilizar a língua portuguesa, do Cesariny, como do Cesário, do Sá-Carneiro, do Pessoa. Gostava ainda de destacar, no Cesariny, a sua grande atenção aos novos poetas que surgiam, a generosidade: até me emprestou o atelier."

Helder Macedo "Mário Cesariny é um dos mais carismáticos e importantes poetas da geração a que pertenço, a geração de Herberto Helder. Era, nos anos 50 e 60, a grande revelação da poesia portuguesa, tendo trazido uma dimensão nova à poesia. Fico contentíssimo com a atribuição deste prémio"."
(documentário sobre Cesariny), segundo guião do poeta e pintor, com participação também pre- vista entre os intérpretes."

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