23.11.05

De Pedro Mexia

Este mês foram publicados dois livros que levantam questões interessantes no âmbito da chamada literatura intimista as cartas de guerra de António Lobo Antunes e a autobiografia de Maria Filomena Mónica.D'Este Viver Aqui Neste Papel Descripto (Dom Quixote) reúne os aerogramas enviados pelo jovem Lobo Antunes à sua primeira mulher, nos anos em que o jovem médico estava mobilizado em África (1971/1973). Literariamente, defendo esta edição, na medida em que nos oferece dados biográficos e políticos importantes e nos descreve cenários e situações que constituem o imaginário do romancista. São, como diz o subtítulo, "cartas da guerra" e, nesse sentido, essenciais para o conhecimento do mundo antunino.Mais discutível é a dimensão de "cartas de amor" (como têm sido repetidamente chamadas). Do ponto de vista da legitimidade pessoal, diga-se, a publicação não é de todo abusiva as organizadores do volume, Maria José e Joana Lobo Antunes, contam que a mãe (entretanto falecida) manifestou vontade de que estas cartas tivessem publicação póstuma. E no prefácio, logo nos avisam que há alguns engulhos nesta exibição pública do que é privado: "As cartas deste livro foram escritas por um homem de 28 anos na privacidade da sua relação com a mulher, isolado de tudo e de todos durante dois anos de guerra colonial em Angola, sem pensar que algum dia viriam a ser lidas por mais alguém" [itálicos meus].Os textos intimistas geralmente implicam terceiros e isso exige cautelas. Assim, embora este seja uma versão integral, as organizadoras decidiram "eliminar alguns nomes, usando letras que não as iniciais, para não ferir susceptibilidades das pessoas referidas ou das suas famílias". Mas nestes aerogramas também encontramos passagens embaraçosas em si mesmas, pela sua natureza estritamente íntima e ridícula, como acontece com as coisas ditas ao ouvido. Nalguns passos (como na carta de 4-4-71), confesso que acho algo constrangedor sermos expostos à intimidade afectiva e sexual de António Lobo Antunes. Sobretudo na medida em que estes textos não foram escritos como literatura. Nesta edição, é esse desvio de intenção que me parece questionável (mas também defensável)."

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