24.11.05

Eduardo Prado Coelho sobre Christian Bourgois

"Um grande editor

Já não há grandes nomes da edição no mundo europeu. A maior parte dos proprietários das editoras são uns senhores semianalfabetos que leram por obrigação escolar dois ou três livros na adolescência. Para eles, o grande objectivo consiste em ganhar dinheiro e falam dos livros como "os produtos" - exactamente como se fossem sapatos ou telemóveis. Quando encontramos um editor que gosta dos livros que publica, que os quer partilhar, que tem os seus gostos e até caprichos pessoais, ficamos em estado de festa. Bichos destes ainda existem, embora sejam raros. São quase sempre pequenos editores.
Christian Bourgois é um deles. Que neste momento o Centro Pompidou tenha uma exposição sobre Bourgois é inteiramente justo. Vamos vê-la para reconhecer e agradecer 40 anos de edição.
Suponho ter conhecido Bourgois na altura em que Portugal decidiu relançar a tradução das obras de Pessoa em França. A Gallimard recusou, e disso se veio a arrepender, recompensando o erro com uma magnífica edição de Pessoa, organizada por Patrick Quillier. A Différence também tentou, apoiada em José Blanco, mas a edição não chegou a vingar. Bourgois, com apoio do lado português, tomou o risco e descobriu, sobretudo com o Livro do Desassossego que não era um risco - era uma aposta certeira e vencedora.
Tivemos reuniões com Bourgois, Robert Bréchon, o grande artífice da obra, e José Afonso Furtado, pelo Instituto Português do Livro. Bourgois ouvia-nos durante meia hora, trocava opiniões e depois passava a atender telefonemas e a mandar faxes, deixando-nos a falar sozinhos. Tinha uma gestão exemplar do tempo. Mas ao mesmo tempo acompanhava os autores, como António Lobo Antunes, quando eles se deslocavam a França. Vi-o em Bordéus, numa iniciativa de Sylviane Sambor. Vi-o no plateau de um programa de televisão em que António Lobo Antunes participava. Tornaram-se grandes amigos e, quando Bourgois esteve doente, Lobo Antunes foi a França vê-lo. Um editor começa por ser isto: um amigo dos seus autores.
Além disso, os seus livros são inteiramente concebidos por ele. Os textos, claro, mas também as capas, escolhidas com um gosto apuradíssimo, que são a marca Bourgois no fabrico de um livro. No Centro Pompidou, podemos encontrar os principais volumes da sua edição. E as cartas comovidas que lhe enviaram: uma enorme atenção às literaturas de língua espanhola, de Vázquez Montalbán a Vila-Matas, passando por Bolaño; a descoberta de novos autores americanos e ao mesmo tempo a publicação de clássicos (Jack Kerouac ou Paul Bowles); a atenção à música (em particular Boulez, mas também Alban Berg, Luigi Nono, Varèse): prémios Nobel, como Toni Morrison: e grandes sucessos da poesia e da ficção portuguesas, como Pessoa e Lobo Antunes. Um editor assim é um exemplo insubstituível."

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