27.11.05

Actividade dramatúrgica de José Luís Peixoto

"Anathema passa-se num teatro onde dois actores representam Romeu e Julieta, de Shakespeare, e depois saem das personagens para convidar o público a entrar num jogo teatral, imaginando que aquele espaço seria ocupado por terroristas. Em palco nenhum dos actores tem sinais exteriores de guerrilha e até as armas e explosivos que deveriam carregar estão no chão. A violência está mais nas "palavras simples", como sangue, ódio, morte e é com elas que os actores provocam medo.
Curiosamente não foi o actor português que a interpreta, Tiago Rodrigues, que há anos colabora com os Stan, quem propôs encenar Peixoto. Foi a actriz Jolente De Keersmaeker que leu em flamengo Nenhum Olhar, o romance de estreia de Peixoto (também traduzido para francês), e gostou tanto que o desafiou a escrever um texto.
Sentada num café perto do Teatro de La Bastille, em Paris, a actriz explica que gosta da forma como Peixoto escreve "com arquétipos, tocando as raízes da linguagem". Peixoto tem "uma linguagem muito trágica" e as repetições constantes de frases são "uma coisa muito teatral", diz. "Sabia que quando escrevesse para teatro ia ser uma linguagem muito condensada, mas é um desafio." O desafio é o de como representar esta peça e como representar esta linguagem. Tiago Rodrigues dá o exemplo de Tchékhov, que permite aos actores ter ferramentas para o interpretar, e De Keersmaeker completa explicando que neste texto são eles próprios que têm que inventar essas ferramentas. "Tentamos que o espectáculo seja um exercício sobre como fazer teatro."
Para os Stan foi logo "claro" que iriam levar a peça de Peixoto ao Festival d"Automne, onde estão pela quinta vez. Quiseram apresentar um autor desconhecido e que não escreve para teatro. De Keersmaeker diz: "Há pessoas que perguntam: isto é um texto de teatro? Gosto da ideia de questionar o que é um texto teatral."

Escrita em "conjunto"

Ao longo de vários meses, os três foram discutindo o texto, que manteve o conceito inicial (a situação de violência real que interrompe uma ficção), mas foi sendo alterado até ao último momento. A versão final, que será editada para o ano, nem sequer corresponde à interpretada - entretanto houve mudanças de estrutura. Apesar de não terem introduzido palavras suas, os actores também escreveram, de certa maneira, a peça: pediram a Peixoto que desenvolvesse algumas ideias e que sintetizasse outras...
Mas o gesto mais determinante dos actores está na interpretação ao transformarem passagens dramáticas em cenas irónicas, o que não é uma característica da escrita de Peixoto. Para a actriz o texto precisa de ironia, caso contrário torna-se "muito lacrimejante". "É redundante representar nostalgicamente um texto que é nostálgico." A ironia apareceu porque é uma marca dos Stan e porque quando eles leram pela primeira vez o texto sentiram que "era tão condensado, tenso e denso" que era necessário "criar uma abertura". "A escrita para teatro é um meio novo, ainda não me sinto completamente à vontade", diz Peixoto ao telefone. "Neste momento interessa-me sobretudo aprender e nesta peça aprendi muito sobre teatro e com eles. Essas coisas que podem ser vistas como intromissão foi muito gratificante. Senti-me muito acompanhado na escrita do texto. Eles conheciam-no tão bem quanto eu." O autor sintetiza: "A grande vantagem de se fazer assim um texto é não ser rígido mas poder, de alguma maneira, ser feito à medida."

A jornalista viajou a convite dos Stan

Há quem considere que Anathema é "incrível", quem fique "intrigado" e quem questione se se trata de um texto teatral, contam os actores De Keersmaeker e Tiago Rodrigues. O Financial Times, que deu quatro estrelas em cinco ao espectáculo, considerou a peça "inquietante" e escreveu que a aproximação de Peixoto ao tema do terrorismo é "circular, alusiva, beliscando os nossos preconceitos". O Le Monde escreveu que o espectáculo é "muitas vezes apaixonante, porque sem academismo", e diz que "este teatro encontra o seu limite um pouco à tangente neste Anathema - talvez pela proximidade entre o autor e os intérpretes - mas sabe terminar a tempo e dá vontade de ler Peixoto"."

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